A Sombra da Burocracia - Os desvios da Maçonaria na sua Missão Primordial.

 


Por Irmão Eugenio Polessa (*)

A Maçonaria, desde a sua origem, pautou-se por nobres objetivos ligados ao aprimoramento moral e espiritual de seus adeptos, à disseminação de valores como fraternidade, igualdade e liberdade, e à contribuição para o progresso da sociedade, em consonância com os princípios iluministas. Contudo, ao longo do tempo, a Instituição se desviou de sua missão primordial, perdendo sua eficácia e relevância no alcance das suas grandes metas. Esse fenômeno não é exclusivo do universo maçônico, mas sim um reflexo mais amplo que afeta diversas esferas educacionais, políticas e religiosas, suscitando inquietações e reflexões profundas sobre suas origens, desdobramentos e possíveis soluções.

As palavras proféticas de Max Weber, expressas em "Economia e Sociedade" (1922), ecoam como um alerta sobre a burocratização, um dos principais fatores responsáveis pela deriva das organizações. Weber advertia que o excesso de normas e procedimentos poderia desviar o foco dos propósitos iniciais, tornando as instituições inflexíveis diante das mudanças e desafios contemporâneos, comprometendo sua capacidade de adaptação às influências políticas e econômicas e distorcendo seus compromissos fundamentais.

Essa análise, realizada há décadas, ressoa de forma inquietante atualmente, onde a burocracia é uma realidade onipresente. Ao direcionarmos nosso olhar para a Maçonaria, percebemos uma semelhança marcante, que se insere de forma coesa e natural em nosso contexto. É uma realidade que a Maçonaria deve enfrentar de frente, buscando minimizar a sensação de distanciamento causada pela dificuldade em acompanhar os avanços e manter uma relevância social significativa. Isso implica superar desafios relacionados à liderança, transparência e governança, adaptando-se às transformações sociais, políticas e econômicas da atualidade.

Ao afastar-se dos seus princípios basilares e ao negligenciar o entendimento das chaves maçônicas, a Maçonaria se viu diante de uma sociedade que gradativamente desvaloriza questões morais, incapaz de fornecer uma orientação ética sólida a seus membros. Imersa em uma teia de burocracia, títulos e hierarquias, a Instituição obscureceu ainda mais seus propósitos essenciais de crescimento individual, desenvolvimento espiritual e serviço à comunidade. O abandono da busca pelas virtudes inevitavelmente conduziu a um aumento na demanda por rivalidades internas, resultando na inclusão dos semelhantes e na exclusão dos diferentes.

Apesar desses desafios prementes, algumas lojas maçônicas persistem em manter acesas as chamas de seus princípios fundamentais, adaptando suas práticas e comunicações às exigências do mundo contemporâneo. No entanto, mesmo essas lojas exemplares enfrentam dificuldades em manter a coesão entre seus membros. Uma vez que a determinação original de alcançar metas superiores gradualmente se perde devido à diversidade de perspectivas individuais sobre o objetivo comum, deixando tanto seus fundadores quanto os membros atuais incertos quanto ao futuro da Instituição.

Essa inércia institucional, que se enraizou em nossas lojas, torna-se cada vez mais desafiadora de ser superada, pois seus membros relutam em abrir-se ao debate, temendo a confrontação de ideias, uma problemática típica enfrentada pela Maçonaria. O debate de ideias, uma habilidade valorizada na "Maçonaria Operativa", foi gradativamente substituído por um clima de resistência intelectual, impedindo o progresso necessário. Essa incapacidade de debater construtivamente tende a limitar o grupo a suas próprias perspectivas, fomentando visões extremistas e minando a compreensão mútua, resultando em estagnação e erosão dos princípios democráticos.

Como então romper com esse estado de letargia que nos tornou avessos ao diálogo e incapazes de vislumbrar o renascimento da Maçonaria? Possivelmente a resposta reside na busca por uma pedagogia do espírito que capacite os maçons a serem verdadeiramente livres, uma pedagogia que promova o desenvolvimento de virtudes como temperança, autodomínio e fortaleza. Uma capacidade de viver uma vida baseada em valores como justiça, bondade, beleza e amor. Construir uma base sólida para uma existência virtuosa: amar o próximo, aprimorar a arte da argumentação persuasiva, dominar os conhecimentos numéricos e espaciais. Reconhecemos que isso é apenas o começo, mas é o mínimo necessário para cultivar a virtude. Esse caminho não é fácil, é repleto de desafios, razão pela qual abandonamos tais competências ao longo da história.

Diante dessas reflexões, é crucial lembrar que, como uma sociedade discreta e fraternal que historicamente defendeu valores voltados para o avanço moral da humanidade, a Maçonaria detém uma ética representada por seus valores, crenças e padrões comportamentais, contendo um potencial latente para superar os desafios atuais e continuar desempenhando um papel significativo na promoção do bem-estar social e no crescimento das comunidades em que está inserida.

Mesmo diante de uma era cada vez mais secularizada, onde os valores morais foram relativizados, a Maçonaria mantém-se como uma guardiã dos princípios éticos e dos ideais de justiça e responsabilidade. E esse é o grande desafio que os maçons enfrentam, pois somente eles podem vislumbrar o caminho para a renovação e o fortalecimento de seus propósitos, refletindo criticamente sobre si mesmos e adaptando-se às mudanças sem jamais perder de vista a fidelidade aos princípios. A loja que abraça esse desafio e se engaja ativamente com seus membros em um processo de modernização e transformação, reconhecendo o legado deixado por todos os que por ela passaram, é aquela que estará apta a vislumbrar o surgimento de uma nova aurora.

(*) Eugenio Polessa



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