Por Dr. João Alexandre Paschoalin Filho, 33
Provavelmente, a maior história já contada seja aquela que narra a saga
do grande Mestre da religião cristã, Jesus o Cristo. Sua vida é apresentada em
4 evangelhos canônicos que compõem o “Novo Testamento”, atribuídos a Mateus,
Marcos, Lucas e João. É também sabida a existência de evangelhos que não foram
incluídos no cânone bíblico, e que versam acerca da existência do Cristo. Como
exemplo, podem ser citados os descobertos no final da década de 40 na região de
Qmram, situada na Cisjordânia e próxima às margens do Mar Morto.
Estes pergaminhos foram encontrados por beduínos que pastoreavam seus
rebanhos de cabras e, ao lançarem pedras em uma caverna, ouviram barulho de um
jarro se quebrando. Os manuscritos foram atribuídos aos Essênios, uma
comunidade judaica asceta de doutrina apocalíptica messiânica que se originou
no século II A.C, tendo sido dizimada próxima ao ano LXX D.C.
Os textos encontrados trazem uma visão de Jesus diferente daquela
apresentada nos evangelhos tradicionais. Os pergaminhos essênios demonstram
Jesus pregando uma doutrina mais aderente ao gnosticismo, ou seja, a salvação da
alma seria possível somente por meio da obtenção do conhecimento pelo buscador
e o sentido da existência humana estaria relacionada ao objetivo de propiciar a
evolução do espírito, no sentido que este pudesse retornar ao princípio que o
gerou, o Criador.
Todavia, neste texto não entraremos na discussão acerca destes
evangelhos (não nesta ocasião), mas nos ateremos a discussão de alguns aspectos
místicos que podem ser percebidos (e aqui não usei a palavra “encontrados” de
propósito) cuidadosamente encerrados nos evangelhos canônicos.
Contudo, primeiramente devemos considerar três aspectos que muitos
cristãos não se atentam: Jesus era judeu; não era cristão e não deixou nenhum
documento escrito. Faço questão de destacar estes fatos, uma vez que serão as
chaves necessárias para podermos discutir alguns aspectos místicos dos
evangelhos. Devemos também levar em conta a forma como o cristianismo primitivo
começou a se estruturar. Após a crucificação, diversas células cristãs
começaram a surgir. Estas eram compostas por pessoas judias e gentias que discutiam
entre si as doutrinas do Mestre, e não era incomum que estes grupos redigissem
seus próprios textos para serem debatidos nas reuniões. Também era uma prática
corrente atribuir a autoria destes textos a figuras importantes, como os
discípulos, por exemplo. É óbvio imaginarmos que estas células não eram homogêneas
entre si e por vezes discordavam acerca dos ensinamentos de Jesus, bem como de natureza
divina.
O cristianismo surgiu como um movimento religioso que se caracterizava,
de uma forma geral, por uma mensagem de inclusão, ou seja, todos eram
bem-vindos a tomar parte em suas colunas: mulheres, homens, gentios, judeus
etc. Neste contexto, podemos especular que os textos redigidos pelos líderes
primitivos poderiam estar recheados de símbolos e alusões às religiões e cultos
dos indivíduos que o cristianismo desejava engajar.
Inicialmente, vamos tecer alguns comentários acerca do nascimento de
Jesus ou Yeshua (ישוע — “salvar”, “salvação”, “Deus salva”), o qual ocorreu no
final da era de Áries e início da de Peixes (este último viria a se tornar o
símbolo do cristianismo). As primeiras testemunhas do nascimento de Yeshua
foram os três reis magos, Baltasar, Melchior e Gaspar, os quais eram astrólogos
e provavelmente tinham o conhecimento da passagem entre as eras astrológicas
que iria ocorrer. Os magos vieram do oriente, ou seja, direção que sempre
remete ao significado simbólico de conhecimento. É no oriente que o sol nasce e
que provém a Luz.
Analisemos os presentes ofertados pelos magos: mirra, ouro e incenso.
Em princípio, estes poderiam parecer presentes um tanto inusitados a serem
ofertados a uma criança recém-nascida; todavia, ao olharmos mais de perto o
significado oculto desta passagem, poderemos extrair uma mensagem interessante.
A mirra consistia em um perfume ou loção que era comumente utilizada durante o
embalsamamento dos mortos, o ouro traz consigo a ideia de majestade, valor e
estabilidade; enquanto o incenso sempre foi ligado ao sagrado, a purificação.
Dessa forma, seriam os presentes ofertados uma representação da vida de Yeshua
e seu ministério na terra? O ouro nos confere a ideia da realeza de Yeshua; a
mirra poderia nos lembrar acerca de sua morte, a qual seria necessária para se
este tornar sagrado (símbolo do incenso).
A mãe de Yeshua, Maria, apesar de casada com José, concebeu seu filho
sendo virgem, o que, em meu ponto de vista, não poderia ser mais lógico e
esperado no contexto da saga do Cristo. Como poderia o enviado do Eterno ser
concebido por meio do sexo, considerado o pecado original da humanidade?
Segundo a doutrina cristã (e não é objetivo deste artigo contestá-la ou
apoiá-la) o nascimento de Yeshua ocorreu no dia 25 de dezembro. Nesta data, foi
instituída pelo imperador Aureliano, no final do século II D.C, a comemoração
do nascimento do Sol Invictus, o qual era associado ao deus pagão Mitra,
muito popular entre os romanos. Este dia também marca o início do solstício de
inverno no hemisfério norte.
É no solstício de inverno que ocorre a noite mais longa do ano; a
partir deste a luz começa a voltar e os dias vão ficando maiores. É o
renascimento da Luz até o ápice. Representa o reinício da vida, salvação da
escuridão, renovação e regeneração. Assim, o nascimento de Yeshua estaria
ligado a um fenômeno solar, indicando que a vinda da criança-deus traria Luz
para a humanidade e a extinção das trevas.
A presença e repetição de alguns números específicos também pode ser
percebida pelo leitor mais atento ao estudar os evangelhos canônicos. Ao
consideramos as gerações entre Abrãao (patriarca do povo judeu) e Yeshua,
encontraremos 42. Se aplicarmos neste número o conceito da redução teosófica
teremos 4+2=6.
O algarismo 6 simboliza o mundo
natural, o homem e as seis direções do Reino físico (para a frente, para trás,
à esquerda, direita, cima e para baixo). As escrituras revelam que o Eterno
criou o mundo natural em seis dias e depois descansou no sétimo, então esse
número reflete a conclusão física. Seis tem sido chamado o número do homem,
desde que Adão e Eva foram criados no sexto dia. Em diversos trechos dos
evangelhos, Yeshua é chamado de “o filho do homem”. Se analisarmos a Árvore da
Vida (Otz Chiim) da Cabbalah, o número 6 está contido na sephirah
Tipheret. Esta situa-se na coluna central da árvore da vida e consiste no
caminho mais curto entre Malkut e Kether. Ademais, para se atingir Kether todos
os 22 caminhos da árvore da vida devem passar por Tipheret. Tipheret também
está associada ao Sol e a beleza. Esse detalhe faz lembra o que o Cristo disse
a Tomé em João 14:5-7:
“Tomé lhe disse: Senhor, não
sabemos para onde vais; como, então, podemos saber o caminho? Jesus respondeu:
Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim. Se
vocês tivessem me conhecido, também teriam conhecido o meu Pai” (João 15:5-7).
Segundo o Sefer Yetzirah, Tipheret é inteligência moderadora, ou seja,
responsável pela mediação entre alma e personalidade, entre o homem e o Pai.
Outros nomes que podem ser designados a esta sephirah são: Adão (Kadmom),
Homem, Pai, Filho e Rei. A visão espiritual atribuída a esta esfera é a “Visão
da Harmonia”; harmonia criada quando todas as “partes” se reúnem num “todo” ou
num grupo em torno de um centro estável.
Outro número a ser destacado consiste no 40. Este aparece em duas
ocasiões bem curiosas, sendo a primeira para representar o tempo de permanência
de Yeshua no deserto antes do início de seu ministério e a outra corresponde a
quantidade de dias que este permaneceu no plano material após ressurrecto.
Se analisarmos outras passagens da bíblia encontraremos o mesmo número
em algumas outras situações como: a) período que compreendeu o dilúvio; b)
quantidade de anos que o povo de Israel caminhou pelo deserto; c) período que
Moisés esteve no monte com o Eterno, entre outras. Com certeza, isso não é mera
coincidência.
O número quarenta no pensamento judaico remete ao significado de
“purificação”. Dessa forma, o período que Yeshua jejuou no deserto e foi testado
por Satanás (do hebraico Satan – שָׂטָן - “acusador” ou “adversário” e nada tem
a ver com a ideia de diabo - διά+βολος - ou o demônio imposto pela igreja)
consistiu na purificação necessária que Ele teve de passar para receber,
posteriormente, a centelha divina do Eterno, a Ele conferida durante o seu “batismo”
(representada pelo pombo branco). Yeshua, após sua “ressurreição” passou mais
quarenta dias na terra para se purificar da materialidade antes de voltar ao
plano superior sutil.
O três também é outro algarismo a ser destacado nos evangelhos canônicos,
algumas situações que este foi citado foram: a) 3 foram os dias entre a morte
do Mestre e sua ressurreição; b) 3 foi a quantidade de vezes que Satan testou
Yeshua no deserto; c) 30 foi a idade que o Cristo começou seu ministério; d) 3
horas da tarde foi a hora que Ele morreu na cruz; etc.
O número três é formado pela junção entre o “um” e o “dois”, ou seja,
este nos fornece a ideia da junção entre a monada (substância simples,
indivisível, incorruptível, indestrutível e que existe desde sempre; podendo
ser atribuída ao princípio ativo criador) com a díade (princípio passivo,
dualista, antagonista). Portanto, o três nos conduz ao equilíbrio mediante a interação
entre os princípios simbolizados pelo “um” e “dois”. Dois pontos definem um
segmento de reta, mas somente com um ponto adicional pode-se dividi-lo em duas
partes iguais. O pai representa o princípio ativo, a mãe o princípio passivo, enquanto
o filho consiste no fruto da interação entre estes; assim como Osíris, Isis e
Hórus ou Salomão, Ciro e Hiram.
Entretanto, se ternário reúne em si os princípios positivo, negativo e
o equilíbrio; é por meio do quaternário que o ternário retorna ao um, ou célula
única, como se aplica por meio do exemplo seguinte:
O quaternário pode ser atribuído ao símbolo máximo do cristianismo, a
cruz. Este é composto por dois seguimentos de reta que se cruzam e resultam no
quaternário. A figura da cruz está ligada aos elementos naturais constituintes
da criação manifestada: terra, fogo, ar e água. Assim a cruz pode ser
relacionada a materialidade. Os quatro segmentos que compõem a figura
apresentam direções opostas em pares, ou seja, duas retas verticais e duas
horizontais; o que traz para este símbolo a ideia do antagonismo entre os
elementos naturais (fogo-ativo oposto a água-passiva; ar-ativo oposto a
terra-passiva). De significado cosmogônico e fisiológico, a cruz é associada às
religiões e culturas pré-cristãs como as da Índia, China, Egito, Caldeia, fenícia,
babilônica entre outras. Na filosofia rosacruz, a cruz simboliza os quatro
reinos naturais (mineral, vegetal, animal e hominal).
O cruzamento entre as verticais e as horizontais da cruz dá origem a um
ponto, o que conduz o quaternário ao número cinco. Este ponto consiste na
quintessência, ou seja, na espiritualidade que se sobrepõe à matéria. Os
rosacruzes entendem este ponto como sendo a rosa mística, tal como os maçons. A
rosa, misticamente, simboliza a evolução do espírito adquirida pela
perseverança e sofrimentos, ou seja, a perfeição atingida. Para os alquimistas
é o signo de realização da Magnos Opus (Grande Obra). Jesus também é
conhecido como “A rosa de Saron”, a mais bela e perfeita flor do vale. Assim, a rosa sobre a cruz lembra a ideia da
sobreposição do espírito ante à materialidade e passa do algarismo 4 ao 5. Este
número é o símbolo do Homem Superior dotado da quintessência. Também
materializa a figura do pentagrama, na qual em seu interior encerra o número
mágico com o, qual o Supremo conferiu o equilíbrio e a beleza ao mundo, a
chamada proporção áurea. Na numerologia do destino significa a liberdade de ir
e vir e de pensamento. Yeshua
crucificado é o arquétipo do predomínio do homem perfeito sobre o plano
manifestado terrestre. A imagem do Cristo crucificado não deve ser encarada
como um sinal de pesar ou morte, mas sim de vitória, uma vez que representa o
triunfo do espírito sobre a materialidade. O quaternário da cruz, simplifica a
tríade e a retorna à unidade. Por meio da cruz, o manifesto e o não manifesto
se tornam “um” apenas; o tudo e o todo retornam ao princípio indivisível
universal.
O número cinco também pode ser observado na ocasião em que Yeshua
alimentou cinco mil pessoas no monte com cinco peixes e dois pães, tal como
encontrado em Mc 6:32-44; Lc 9:10-17 e Jo 6:1-13. Nesta passagem, além do
significado dos números, ainda temos os pães e os peixes distribuídos.
O pão representa um dos alimentos essenciais mais antigos presentes em
várias culturas do mundo. Simboliza não somente um alimento para o corpo,
sobretudo, representa a vida, a renovação, a humildade, o sacrifício. O peixe é
o décimo segundo signo do zodíaco e está simbolicamente ligado a fecundidade e
a morte. No cristianismo, o peixe está relacionado ao batismo, além de ser o
arquétipo do elemento espiritual. Yeshua viveu na era de Peixes, o último signo
do zodíaco, situado entre aquário e áries. Assim, tendo em vista os
significados apresentados, pode-se dizer que o alimento providenciado pelo
Cristo a multidão é muito mais do que meramente um milagre performado para
simplesmente saciar a fome física desta. A passagem parece nos trazer a ideia
do Cristo como sendo o agente difusor da mensagem, do alimento espiritual e
material, dando de comer a todo aquele que anseia o desenvolvimento de sua
quintessência.
A história de Jesus relatada nos Evangelhos canônicos apresenta em
diversos trechos alusões ao conhecimento alquímico. Jesus, certa vez, ao ser
convidado para um casamento na aldeia de Caná, transformou água no mais
delicioso vinho (João 2:1-11); o que nos remete ao mito alquímico da transmutação
dos metais em ouro.
A ceia conduzida por Jesus,
juntamente com seus discípulos, também é carregada de significados ocultos.
Refeições ritualísticas já eram há muitos séculos praticadas por escolas de
mistérios, filosóficas e antigas religiões. Os praticantes do zoroastrismo, por
exemplo, ao final de suas reuniões tinham por costume fazer uma refeição
mística; o Seder é carregado de significados que relembram aos judeus os duros
tempos do exílio egípcio.
O ato de consumir um alimento, o qual lhe é atribuído um significado
espiritual/místico, consiste no processo de internalização deste princípio, o
qual passa a fazer parte do recipiendário. A transformação do pão em carne e do
vinho em sangue nos direciona a meditar acerca da necessidade de, por meio da transmutação
da matéria, atingirmos a incorporação espiritual dos ensinamentos do Mestre.
É sabido que a Páscoa cristã não possui um dia fixo no calendário,
sendo definida pela data em que ocorre o Equinócio de Primavera/Outono. Este
fenômeno astronômico ocorre quando nenhum dos hemisférios da Terra (Norte ou
Sul) encontram-se inclinados em relação ao sol. Assim, os raios solares emitem
a mesma quantidade de luz em ambos, fazendo com que tanto o dia, quanto a noite
tenham duração de 12 horas. Portanto, a ceia como foi estabelecida pela igreja
poderia ser relacionada a este período em que os 12 discípulos estariam
recebendo diretamente de Jesus (O Sol) a mesma iluminação espiritual a ser
somente alcançada por meio da transmutação do pão em carne e do vinho em
sangue. O equinócio é considerado um período sagrado em termos espirituais,
porque ele representa a unicidade, lembrando-nos da importância de equilibrar,
na nossa vida, a luz e a sombra.
Ademais, a trajetória de Jesus na terra, nascimento e morte, parece
demonstrar uma relação com fenômenos solares. O nascimento de Jesus ocorreu
durante o solstício de inverno (hemisfério norte) e sua morte no equinócio. O
solstício de inverno consiste em um evento em que a noite possui duração mais
longa, a partir desta data as horas de luz passam a aumentar. Isso nos traz a
ideia de que a partir do nascimento do Mestre a luz volta ao mundo, dissipando
a escuridão. A morte e ressurreição de Jesus ocorre no equinócio de primavera
(no hemisfério norte), estação que significa “renascimento”, “vida”,
“reprodução” e “criação”.
A ressurreição do mestre, após abrirmos as chaves ocultas do simbolismo
dos evangelhos (Mateus, Lucas, Marcos e João) se apresenta diferente daquela
imposta pela Igreja estabelecida. Esta consiste no renascimento do espírito e
do pensamento. A ressurreição é a volta da criatura em espírito para sua fonte
geradora universal (o Eterno, inefável e indivisível) para habitar em planos
sublimes; é a moral da parábola do filho pródigo que volta à casa do pai, é a
vitória do Ego superior ante ao Ego interno, é a conquista do Nirvana e a
abertura dos portões da Jerusalém Celestial e não deve ser encarada
literalmente.
Em diversos trechos dos evangelhos, o Cristo já alertava a seus
discípulos que o conhecimento por Ele passado deveria ser entendido em suas diversas
camadas e não apenas no sentido literal. Após a proferir a parábola do
semeador, conta o livro de Marcos capítulo 4 que os discípulos indagaram Yeshua
acerca do significado desta e ele respondeu:
“A vós é revelado o mistério do
Reino de Deus, mas aos que são de fora tudo se lhes propõe em parábolas. Desse
modo, eles olham sem ver, escutam sem compreender, sem que se convertam e lhes
seja perdoado. Não entendeis essa parábola? Como entendereis então todas as
outras.” (Marcos 4:11-13).
O Mestre também nos adverte que não são todos que estão dispostos ou
evoluídos o suficiente para entender os mistérios ocultos em sua mensagem.
Todavia, para os que estão dispostos a entendê-la, a salvação do espírito (o
retorno deste ao Eterno) ocorrerá por meio da perseverança e do estudo
individual, tal como se verifica nos trechos extraídos de Mateus 7:6-8 e Lucas
8:17-18.
“Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos;
caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os
despedaçarão. Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será
aberta. Pois tudo o que pede recebe; o que busca encontra; e àquele que bate, a
porta será aberta.” (Mateus 7:6-8).
“Porque não há nada oculto que
não venha a ser revelado, e nada escondido que não venha a ser conhecido e
trazido à luz. Portanto, considerem atentamente como vocês estão ouvindo. A
quem tiver, mais lhe será dado; de quem não tiver, até o que pensa que tem lhe
será tirado." (Lucas 8:17-18).
Outro ponto que devemos ter um olhar mais cuidadoso, refere-se ao
significado oculto dos eventos que ocorreram depois da morte do Cristo, tal
como apresentado em Mateus 27:50 e 51:
“Depois de ter bradado novamente
em alta voz, Jesus entregou o espírito. Naquele momento, o véu do santuário
rasgou-se em duas partes, de alto a baixo. A terra tremeu, e as rochas se
partiram” (Mateus 27: 50 e 51).
Como os demais trechos já analisados, este também não deve ser tratado
de forma literal, ou seja, provavelmente não tenha ocorrido um terremoto em
Jerusalém, as pedras das estruturas do templo não devem ter se partido e o véu
do santuário (Santo dos Santos) não deve ter se rasgado de forma voluntária.
Estes versículos, pelo menos em minha opinião, tendem a apresentar um maior
poder e significado a partir do momento em que o interpretamos de forma mais
atenta.
Sabe-se que o véu é a representação arquetípica de “ocultamento”,
“mistério”, ou seja, de tudo o que é secreto. Este símbolo usualmente é
utilizado quando se deseja representar algum conhecimento que não é acessível
para os medíocres. Assim, o remover do véu, ou a sua ruptura (rasgo),
representa justamente o sentido inverso; o desvelamento é símbolo de revelação,
de iniciação. Por outro lado, as rochas quando se partem, colapsam a estrutura
do templo e o põe abaixo impõem a necessidade de reformá-lo ou reconstruí-lo
posteriormente. Uma nova estrutura, um novo edifício.
Portanto os versos 50 e 51 de Mateus 27, parecem mais nos remeter a uma
importante mensagem acerca do retorno do Cristo ao Eterno do que narrar
especificamente um evento geológico. Assim, com a morte material do corpo do
Mestre, um novo ensinamento espiritual foi estabelecido, o do amor se
sobrepondo a Lei, a caridade com os pobres ao invés das ofertas ao templo.
Neste contexto, o que era não seria mais e o que nunca foi passaria a ser, as
antigas estruturas filosóficas e espirituais foram rompidas, e um novo templo
deverá ser erguido dentro de cada um de nós. No instante que o véu foi rompido
todos os mistérios e segredos, até então ocultos, foram revelados. Neste
instante passou a existir a possibilidade direta de se alcançar a “salvação”
sem a necessidade de intermediários, somente tendo como base a doutrina do
Cristo, pois todos os que quiserem, serão iniciados.
Pouco antes de ser preso, Yeshua meditou no Jardim do Getsêmani logo
após a realização do Seder de Pessach. Sabendo que em breve seria morto, o
Mestre sentia-se só e aflito, foi então que este começou a suar sangue:
Ele se afastou deles a uma
pequena distância, ajoelhou-se e começou a orar: "Pai, se queres, afasta
de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua". Então
lhe apareceu um anjo do céu, que o confortava. Estando angustiado, ele orou
ainda mais intensamente; e o seu suor era como gotas de sangue que caíam no
chão” (Lucas 22:41-44).
Ora, tanto o nome do local onde Yeshua se dispôs a meditar, bem como o
“milagre” de suar sangue também podem consistir em simbolismos necessários para
dar ao leitor a ideia do sofrimento do mestre. Sabe-se que Getsêmani é uma
palavra hebraica que possui como significado “Prensa de oliva” e isso é um
tanto óbvio, pois este situa-se no Monte das Oliveiras. O azeite, líquido
precioso obtido a partir da prensagem da azeitona possui no simbolismo judaico
os seguintes significados: Unção de reis e sacerdotes – presença do homem
perante o Eterno; Alimentação de lanternas e candeeiros – iluminação
espiritual; Alimentação humana – alimento para o espírito; Tratamento de
doenças – cura e purificação; Óleo obtido da prensagem – essência.
Para que o azeite seja produzido o mosto gerado pelo esmagamento é
colocado em bolsas de juta. Estes são sobrepostos a outras bolsas e comprimidos
por uma prensa. O azeite escoa pelas bolsas e sua coloração, antes de
purificar, é avermelhada tal como sangue.
O termo páscoa tem origem no hebraico Pessach, e significa passagem,
estando também relacionado às celebrações pagãs comemoradas nos períodos entre
o inverno e a primavera (equinócio de primavera no hemisfério norte e equinócio
de outono no hemisfério sul).
Sendo uma festa familiar, um dia antes de sua comemoração é feita uma
limpeza nas casas, tirando tudo aquilo que possa prejudicar os princípios
judaicos.
A principal celebração feita pelos judeus é o jantar em família (Seder), onde são
consumidos alimentos que têm grande importância simbólica na cultura do povo.
Esse jantar é destinado à ensinar as gerações mais novas sobre a “Torah”, e os
três principais alimentos da refeição são: o cordeiro, os pães e as ervas
amargas.
O cordeiro (pesah) "é o sacrifício da Páscoa do Eterno, que
passou as casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios e
livrou nossas casas." (Êxodo 12:27). O pão ázimo (matzah) foi feito
às pressas, antes da fuga do Egito e não possui fermento:
"E cozeram bolos ázimos da
massa que levaram do Egito, porque ela não tinha levedado, porquanto foram
lançados do Egito; e não puderam deter-se, nem haviam preparado comida." (Êxodo
12:39).
O pão tem por intuito transmitir às gerações que, assim como o fermento
enche o pão de ar, tornando-o imperfeito, que este também causa ao homem as
imperfeições morais e negativas, tornando-o cheio de vaidades e vazios. Já as
ervas amargas (maror) são utilizadas para lembrar o povo judeu acerca da
vida dura causada pelo sofrimento do trabalho escravo no Egito.
"Assim lhes amargurava a vida com pesados
serviços em barro e em tijolos, e com toda sorte de trabalho no campo, enfim,
com todo o seu serviço, em que os faziam servir com dureza." (Êxodo 11:14)
Todavia, o leitor pode estar confuso acerca da relação entre a Pessach
judaica e a Páscoa Cristã, estabelecida pela igreja desde os primórdios do
cristianismo. Bem, ambas as “festividades”, apesar de parecerem distintas, na
verdade são bem aderentes entre si. Assim, tomei a liberdade de estabelecer o
seguinte comparativo:
Pessach |
Páscoa Cristã |
10 dias antes do Seder devia-se se escolher no
rebanho uma ovelha sem mácula ou defeito. |
Yeshua foi escolhido pelo Eterno para vir ao mundo.
O mestre viveu sem a mácula de ter pecado. |
A ovelha deveria ser levada para dentro de casa e lá
ficar. |
Antes de seu sacrifício, Yeshua adentra Jerusalém
(cidade estabelecida pelo rei David) e lá fica até a sua morte. |
Antes da semana do Pessach, todas as casas judaicas
deveriam passar por uma limpeza simbólica para eliminar qualquer traço de pão
com fermento. |
O Mestre faz a limpeza do Templo (A casa do Senhor –
representação arquetípica do Homem) expulsando os cambistas e comerciantes. |
No dia do sacrifício da ovelha, esta deveria ser
inspecionada e avaliada pelos sacerdotes a fim de se constatar que esta não
possuísse máculas. |
Quanto foi submetido ao julgamento de Pilatos, este
não viu qualquer culpa no Mestre. |
O sacrifício da ovelha era realizado de forma que
nenhum osso desta fosse quebrado. |
Quando o corpo material de Yeshua morreu o centurião
foi impedido de quebrar as pernas dele na cruz. Este era um costume para
verificar se o crucificado estava realmente morto ou acelerar a sua morte. |
A Pessach comemora a saída do povo de Israel do
Egito, mas também simboliza a prevalência da Luz sobre as trevas (equinócio
de primavera) |
O Mestre ressuscita, deixa as trevas da morte e
ascende aos Céus em Luz. |
Moshe libertou o povo de Israel e foi o grande
mensageiro da era astrológica de Áries |
O símbolo de áries é um cordeiro. Yeshua é chamado
de “o cordeiro de Deus” |
O vinho no Seder de Pessach simboliza o sangue do
cordeiro que foi passado no batente das casas do povo de Israel e protegeu os
primogênitos contra o anjo da morte (10ª praga do Egito) |
O vinho é o sangue do cordeiro de Deus (Yeshua).
Este nos protege do mal e lava a nossa alma de nossos pecados. |
O matzá é distribuído. Este pão não possui fermento,
uma vez que significa o ego do homem e suas vaidades |
Yeshua partilha o pão entre os apóstolos e diz que é
sua carne. Não há pecado ou impureza na carne do Cristo. |
Era costume durante o Seder os servos lavarem os pés
dos convidados |
Yeshua lavou os pés de todos os discípulos
demonstrando sua humildade |
Portanto, encerro aqui este pequeno ensaio. Não tive a ambição (e nem
poderia) de adentrar profundamente nas camadas simbólicas que revestem os
evangelhos canônicos que contam a história do Mestre, até porque tal missão
demandaria conhecimento e iluminação que não atingirei nesta vida.
Todavia, nesta humilde dissertação procurei demonstrar ao leitor que os
textos comentados ocultam em si uma profundidade de conhecimento bem maior do
que possibilita a simples leitura literal e mecânica.
Estes ensinamentos ocultos têm o poder de promover um entendimento
maior da figura e da importância do Cristo, como grande avatar designado pelo
Eterno no intuito de nos ensinar o domínio do Ego e a libertação do Eu Superior
presente em cada um de nós para que dessa forma possamos alçar nosso caminho de
volta Àquele que a tudo criou e que em tudo se manifesta e permeia. Dessa
forma, quem sabe um dia possamos manifestar toda a divindade ainda encarcerada
em nós mesmos.
(*)Autor do Livro “A Corrente” publicado pela Editora
Viseu
Membro da Academia Campinense Maçônica de Letras –
cadeira 23
Membro da Loja Estrela da Distinção Maçônica
Constância 1147 – Campinas/SP.
E-mail: paschoalinfilho@yahoo.com
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