Quais as origens da maçonaria e qual a sua idade? (parte 6)


Por Ir.’. José Ronaldo Viega Alves

Comentários iniciais:

A Parte V finalizou com a publicação dos artigos (144 e 145) que faziam parte do Édito do rei longobardo Rotari, artigos esses que continham as disposições relativas aos Mestres Comacinos. O Édito do rei seria uma prova cabal (não exatamente da ligação dos Comacinos com os seus precursores, os Colégios Romanos, e nem exatamente também com aqueles que supostamente seriam os seus sucessores, ou seja, os primeiros construtores de catedrais), mas, da sua própria existência, pois, essa existência chegou a ser negada, como bem sabemos, a exemplo do que pensava Sir William Dugdale, ou ainda, sendo considerada fantasiosa como escreveu R. F. Gould em sua Concise History:

“Hoje, a ideia de ter existido, no início do século XIII, collegia de maçons por toda a Europa, que receberam a benção da Santa Sé, com a condição de dedicarem seu talento à construção de edifícios eclesiásticos, pode ser considerada quimérica. (...) Nessa mesma obra, Gould se refere a George Edmund Street, dizendo que uma teoria como a dos Comacines ‘me parece totalmente errada’, Wyatt Papworth dizendo ‘eu acredito que eles nunca existiram’, e nas páginas anteriores ele imprime um longo extrato do Dr. Milman com o mesmo propósito.”

Na verdade, a teoria goza da simpatia de vários estudiosos, coisa que pudemos   atestar com base nas opiniões que foram colhidas ao longo das pesquisas realizadas, e que, como acabamos de ver, suscitou também várias polêmicas.

De tudo aquilo que foi apresentado com relação à Teoria Comacine, basicamente, a ideia é de que os Mestres Comacinos constituíam uma espécie de elo perdido, podendo ser encaixados naquela “lacuna” existente entre os Colégios Romanos e os construtores das catedrais.

Evidentemente, para quem quiser saber todos os detalhes da história da guilda dos Mestres Comacinos, a formação da teoria Comacine, a herança recebida dos Colégios Romanos, as conexões e as influências em relação à Maçonaria, a conservação dos segredos da arquitetura, enfim, tudo o que compõe a sua história, vale encarar a leitura desse que é um verdadeiro calhamaço (contém cerca de 600 páginas), “Os Construtores da Catedral”, da autoria de Leader Scott, uma obra incomparável e de grande utilidade para todo o estudioso que aprecie conhecer a história da arte e, principalmente, daquelas organizações que deixaram um legado para a Maçonaria, eis que, se as muitas catedrais erigidas por eles durante o período medieval, mantiveram impressos os sinais que caracterizavam as guildas de construtores, temos aí, outra prova cabal da sua existência. 

Para encerrarmos o que foi a atuação e a importância que representaram s Comacinos nesse período ainda considerado uma protomaçonaria, deixamos para os leitores este que vem a ser um belo resumo da teoria, da autoria de Joseph Fort Newton, o qual H. L. Haywood reproduziu em seu artigo “Maçonaria e Mestres Comacine”:

“Até agora tem havido um hiato também na história da arquitetura entre a arte clássica de Roma, que se diz ter morrido quando o império desmoronou e a ascensão da arte gótica. Dessa forma, na história dos construtores encontra-se uma lacuna de igual dimensão entre os Collegia de Roma e os artistas da catedral. Embora a lacuna não possa ser perfeitamente preenchida, muito tem sido feito neste sentido por Leader Scott em Os Construtores de Catedrais; A História de uma Grande Guilda Maçônica – um livro em si uma obra de arte, bem como de fina erudição. Sua tese é de que o elo perdido deve ser encontrado nos Magistri Comacinni, uma guilda de arquitetos que, com o desmembramento do Império Romano fugiu para Comacine, uma ilha fortificada no Lago de Como, e lá manteve vivas as tradições da arte clássica durante a Idade das Trevas; a partir deles foram desenvolvidos em descendência direta os diversos estilos da arquitetura italiana e que, finalmente, eles levaram o conhecimento e a prática da arquitetura e escultura para a França, Espanha, Alemanha e Inglaterra.”

A última frase a encerrar o sucinto texto acima parece carregar junto uma certa dose de ambiguidade. Diz assim:

“Tal tese é difícil e, por sua natureza, não é suscetível de prova absoluta, mas a escritora torna tão certo quanto qualquer coisa possa muito bem ser.”

 

AS ASSOCIAÇÕES MONÁSTICAS

Introdução

O Ir.’. Theobaldo Varoli Filho é o autor do livro “Curso de Maçonaria Simbólica (Aprendiz), uma das minhas primeiras leituras maçônicas e uma das minhas eternas referências quando o assunto remete à cultura maçônica. Este livro, assim como, os outros da série escrita por ele que contempla os Graus de Companheiro e Mestre, respectivamente, constituem uma verdadeira fonte para pesquisas sobre o simbolismo, sobre a história da Maçonaria, sobre as várias influências que a Maçonaria incorporou ao longo da sua evolução e que em sua maioria são provenientes das antigas civilizações, religiões, escolas de mistério, filosofias, organizações ligadas à arte da construção, etc. Resumindo: a cultura maçônica em sua grandiosidade.

Ao finalizar o tópico referente aos Comacinos, o Ir.’. Varoli Filho, observou:

“Disseminaram pelo mundo a arte românica (que, anteriormente à gótica, foi a preponderante       na arquitetura medieval), a própria arte lombarda e até a arte beneditina, pois ensinaram a muitos arquitetos e pedreiros monásticos da Ordem de S. Bento.” (Varoli Filho, 1977, pág. 195)

 

COMENTÁRIOS:

Prestemos toda a nossa atenção na última frase, eis que, há um elo ali sendo estabelecido entre os Mestres Comacinos e a arte beneditina “eis que ensinaram a muitos arquitetos e pedreiros monásticos da Ordem de S. Bento.”

Por outro lado, vamos registrar aqui também uma passagem que consta na última capa desse livro que vem sendo citado bastante, “Os Construtores da Catedral”, a qual diz assim:

“É a história dos herdeiros dos Colégios de Construtores Romanos que se metamorfosearam em ordens monásticas (grifo meu!) e preservaram o conhecimento da arquitetura durante o período medieval e criaram maravilhosas igrejas e catedrais que pontuam o território europeu(...)”

Tal como disse o bardo: há mais coisas entre o céu e a terra do que pode sonhar a nossa vã filosofia.

 

DOS ESTUDOS SOBRE AS ORDENS MONÁSTICAS

Não teria dúvidas então, sobre afirmar que a primeira vez que tive acesso ao tipo de informações que ressaltavam a importância das associações monásticas para a história da Maçonaria, foi no livro do Ir.’. Varoli Filho, já citado. E nunca havia visto ou sequer imaginado, até então, que as conexões com a Maçonaria apontadas pelo nosso estudioso, eram perfeitamente aceitáveis e possíveis.

Por outro lado, o Ir.’. Assis Carvalho já havia afirmado no seu livro “A Descristianização da Maçonaria” que:

“A Maçonaria, até o final do Século XVII e início do século XVIII era, em sua totalidade, cristã. Desde o seu surgimento documentados _ 2 de fevereiro de 1356 até 1723 toda documentação que se possui, especialmente relacionada com os CATECISMOS _ predecessores dos nossos Rituais era puramente cristã, em sua essência Ritualística e histórica.”  (Assis Carvalho, 1997, pág. 31)

E o Ir.’. Varoli parecia estar bem convicto do que escreveu na sua introdução ao assunto. Vejamos a transcrição de um trecho do livro:

“Foi na Idade Média avançada, principalmente na fase da Arte Gótica e da construção de catedrais, que a Maçonaria se revelou, com os seus antigos usos e regulamentos, e com certas práticas fraternais. Queiram ou não queiram certos maçons, os beneditinos, seguidos dos cistercienses, tem de ser considerados ancestrais da Maçonaria. Eram realmente ‘maçons’, ‘veneráveis mestres’ (os dirigentes, tais como estes seriam conhecidos na Maçonaria), hábeis projetistas e geômetras e bons oficiais da arte de construir.” (Varoli Filho, 1977, pág. 195)  

Só em tempos mais recentes é que estamos podendo comprovar que esse tipo de estudos voltados para as influências das associações monásticas no processo evolutivo da Maçonaria, vem ganhando impulso próprio. No que se refere à influência do cristianismo, já era público e notório, agora, voltados com certa exclusividade para as Ordens monásticas, parece ser coisa mais recente.

O Padre Valério Alberton, que não era Maçom, mas, um grande estudioso da Maçonaria é o autor de um outro livro que considero de leitura obrigatória para o Maçom: “O Conceito de Deus na Maçonaria”.

E é deste livro que transcrevo a seguinte passagem:

“Depois de longamente estudar, comparar e meditar sobre as diversas teorias acerca da origem da Maçonaria, inclinamo-nos para aquela que o padre Joseph Berteloot, S.J. expôs no início do seu livro, ‘Les Francs-Maçons devant l’Histoire’, com as seguintes palavras: ‘Na opinião quase unânime dos historiadores que estudaram a Maçonaria, a sua origem mais verdadeira é a mais verossímil: ela descende das antigas corporações de mestres pedreiros construtores de igrejas e catedrais, corporações formadas sob a influência da Igreja na Idade Média.” (Alberton, 1981, pág. 67) 

Então, como o nosso assunto está voltado em primeira instância para as origens da Maçonaria, parece que, em meio a tantas origens   que lhe foram atribuídas, a única certeza que já podemos ter até o momento é que ela nasceu cristã.     

E nos últimos anos, um dos historiadores que mais tem seguido essa linha de estudos é o historiador argentino e Ir.’. Eduardo R. Callaey. Dois livros de sua autoria, já adquiridos e lidos, exploram bastante o tema. Os livros são “La Masonería en la Edad Media – De la exégesis alegórica a la iglesia de piedra” (2022) e “La Masonería y sus Orígenes Cristianos” (2016, 2ª Ed.). Há um outro, mais antigo, o qual ainda não tenho: “Monjes y Canteros – Una Aproximación a los Orígenes de la Masonería (2001).  

A título de ilustração, vejamos uma passagem do “Prólogo a la Primera Edición”, que foi escrito pelo Ir.’. Jorge Carlos Marasco, de la Gran Logia de la Argentina de Libres y Aceptados Masones:

“Este libro sobre los orígenes monásticos de la francmasonería aborda en profundidad una de las fuentes más ricas y quizá menos explorada de las hasta ahora conocidas, develando, a través de un sólido aporte documental y una inteligente exégesis aspectos poco difundidos y aun menos valorados del acontecer masónico. (Callaey, 2016, pág. XV)

 

COMENTÁRIOS:

No livro do Ir.’. Varoli Filho, que é de 1977, as suas descrições e comentários a respeito das diversas associações monásticas estão inseridas no capítulo que analisa cada uma das organizações tidas como precursoras da Maçonaria, começando pelas mais antigas, as que são enquadradas por alguns autores numa chamada Maçonaria Primitiva, conforme o que já foi mencionado e depois, aquelas corporações que costumeiramente são inseridas na chamada Maçonaria Operativa, ou a dos construtores de catedrais. Dessa forma, a síntese histórica elaborada pelo Ir.’. Varoli Filho, sobre cada uma daquelas Ordens Monásticas, envolve também as suas origens, suas realizações, suas regras e rituais, além de suas influências, portanto, já nos dão uma mostra da acuidade com que o Ir.’. Varoli Filho cuidou do assunto.

Até surgirem os livros do Ir.’. Eduardo Callaey se passaram mais de vinte anos. O livro ”La Masonería y sus Orígenes Cristianos”, estabelece os vínculos entre o simbolismo maçônico e os escritos daqueles antigos exegetas pertencentes à Ordem dos Beneditinos. E a questão aqui é que podemos pensar que o Ir.’. Varoli Filho poderia ter explorado muito mais, se é que não o fez.  Vejamos outro trecho do livro do Ir.’. Varoli Filho a respeito dos beneditinos:

“Associados aos pedreiros e canteiros fundaram autênticas organizações fraternais, as quais, por ordenamentos, costumes e certas cerimônias, seriam uma espécie primitiva da loja maçônica.” (Varoli Filho, 1977, pág. 200)

Poderíamos continuar especulando, mas, voltaremos ao assunto mais adiante. Aliás, esse tema merece ser revisto e desenvolvido num artigo separado, futuramente.

Vamos elencar a partir daqui quais eram essas associações monásticas, ao mesmo tempo que descrevemos suas características e um histórico resumido de cada uma delas, tudo com base nas informações extraídas do livro do Ir.’. Varoli Filho.   

No Cap. XI do livro, há um tópico que ele intitulou “A Arte Real na Idade Média, Embrião Multiestrutural da Instituição que Viria a Ser a Fraternidade Maçônica – Os Beneditinos e os Cistercienses”

Os beneditinos

Antes mesmo de que fosse oficializada, digamos assim, como Maçonaria Operativa, entrariam em cena as associações monásticas, sendo que a Ordem de S. Bento ou dos beneditinos foi fundada no ano de 529, por Bento de Núrsia, tendo por berço o mosteiro de Monte Cassino, na Itália. Esse mosteiro viria a ser destruído em 580 pelos lombardos.  

A história dos monges beneditinos e suas realizações é portentosa. Eles se distinguiram nas letras, nas artes e nas ciências.

Vejamos resumidamente alguns dos aspectos relativos à formação e ao funcionamento da Ordem dos Beneditinos, idealizados pelos seu fundador: com a finalidade de manter a unidade entre as diferentes unidades, todas elas surgidas de um único tronco, S. Bento elaborou uma série de normas, as quais constituíram as regras da Ordem. Essas regras teriam uma importância fundamental no que diz respeito às atitudes dos monges e dos centros monacais durante a Idade Média. S. Bento dava uma importância fundamental ao livro, à leitura e à cópia e conservação de manuscritos, tanto que, havia uma ordem a ser cumprida no que se referia às horas do dia, divididas em horas que deviam ser dedicadas ao estudo e à leitura e à organização do trabalho nos monastérios, de forma que fosse possível satisfazer a demanda constante de manuscritos. (Michel, 2017, pág. 25)

COMENTÁRIOS:

Alguma semelhança ou alguma herança da Maçonaria nesse sentido? Lembrar do simbolismo maçônico, onde a Régua de 24 polegadas representa cada uma das horas do dia que devem ser administradas no sentido de que deverá haver horas destinadas ao trabalho e horas destinadas ao repouso.

A questão do simbolismo que possa ter sido herdado dos beneditinos vai muito além, e isso será visto mais adiante. Há várias leituras envolvendo a herança simbólica que a Maçonaria recebeu dessas associações.

Vejamos um trecho de um artigo do Ir.’. Karel Mush que dá um grande significado para o que acabou de ser comentado:

“O monaquismo centra-se nos rituais diários, prescrevendo o horário e o conteúdo das refeições, os serviços a serem realizados, as canções a serem cantadas, as horas passadas estudando ou trabalhando. Para alguns, esta parece ser uma experiência monótona. Mas, em essência, a monotonia liberta a mente, permitindo-lhe vagar a maravilhar-se. A monotonia é um fator vinculativo na Maçonaria e no monaquismo. Na Maçonaria é chamado de ritual, significando a mesma coisa.”

A expansão dos beneditinos

No ano de 597, os beneditinos se dirigiram à Inglaterra e lá fundaram a abadia de Canterbury. Já no século VII, ou seja, o século seguinte, espalharam-se pela Alemanha, onde fundaram várias abadias. Da Alemanha foram para a Dinamarca, depois à França. Na verdade, estiveram presentes em quase toda a Europa.

Além disso, a inclinação decidida e enérgica dos monges em relação ao trabalho, levou-os a incursionar nos ofícios mais diversos. E aqui a característica que nos interessa mais de perto neste momento, pois um dos ofícios onde mais se destacaram, foi aquela que envolvia a arte da construção. Primeiramente, os segredos da construção que dominavam, ficaram restritos aos conventos, depois, num segundo momento, eles chegaram a monopolizar e a dirigir aquela que viria a se tornar a Maçonaria Operativa. Pelo fato de que a demanda para as construções naquele período era muito grande, começaram a contratar profissionais leigos, e a partir daí, quando as associações monacais começaram a entrar em decadência, esses profissionais leigos criaram as confrarias leigas.

Para se ter uma ideia de onde chegaram os beneditinos, no século XIV, aquele do seu auge, a contribuição da Ordem dos Beneditinos para a história da Europa ocidental era: vinte e quatro papas, duzentos cardeais, sete mil arcebispos, quinze mil bispos, mil quinhentos e sessenta santos canonizados e cinco mil beatos. No plano secular, vinte imperadores, dez imperatrizes, quarenta e sete reis e cinquenta rainhas. Um recorde de poder e riqueza que jamais foi superado.

Agora falemos em construções: no princípio ele construíam canais de irrigação, aquedutos, muralhas de contenção, além de pequenas obras civis nos povos que ficassem cerca dos monastérios. Quando adquiriam riquezas e influência, passaram a levantar edifícios maiores, até que, se concentraram na construção de igrejas, catedrais, etc. O estilo era o românico, que atingiu seu auge nos séculos IX ao XII.

Continua...

 

(*) Ir.’. José Ronaldo Viega Alves    ronaldoviega@hotmail.com Loja Saldanha Marinho, “A Fraterna”Oriente de S. do Livramento, RS.

 

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